sexta-feira, 26 de março de 2010

Samba de branco

Sou um apaixonado por samba. Não consigo entender como alguém pode se manter quieto ao ouvir a batucada. Os versos “quem não gosta de samba/bom sujeito não é/é ruim da cabeça/ou doente do pé” sintetizam a minha opinião a respeito daqueles que consideram “algo menor” a música de Cartola, Nelson Cavaquinho, Brancura, Mano Edgar, Ciro Monteiro, entre outros.

Mas existe um tipo de samba fake que me irrita profundamente: o samba de branco. Ele é fruto do modismo e da visão da classe média sobre o que é música de qualidade. Tal modalidade de estelionato musical foi gestada em rodas de samba promovidas por criaturas que se apresentam com apelidos variados - Escrotinho do Pandeiro, Babaquinha do Cavaco, Otário Partideiro, por exemplo. Em comum, todos apresentam a falta de melanina, a indigência de talento e a pretensão de fazer samba como negro.

O samba de branco recebeu o aval da mídia, notadamente da MPB FM (rádio carioca). Ao produzir shows e DVDs com a falsa proposta de divulgar o samba, a tal rádio formatou arranjos, estilos de interpretação e repertório. Todas as músicas são executadas ao som de muitos metais – principalmente saxofones –, cordas em profusão e quase nenhum instrumento de percussão. Junte a isso alguns vocais pasteurizados e cantores preocupados apenas em “reforçar” a própria marca no mercado fonográfico. Nada de cuidados estéticos, zero de autenticidade.

O pior é que, como toda praga, o samba de branco tomou de assalto o Rio de Janeiro. O primeiro reduto a cair nas mãos do inimigo foi a Lapa. As ditas casas de espetáculo (Carioca da Grana, Rio Mercenarium, Mas se fudeu o Benedito, só para citar algumas) consolidaram a fama de intérpretes medíocres, aviltaram ainda mais os salários dos músicos (“A grana é curta, mas tocar na Lapa abre portas, negão”) e abortaram um processo de retomada do samba de raiz. A Lapa de hoje é um grande show do Plataforma para gringo, faltando apenas as mulatas.

O mais interessante é observar a composição dos palcos. Voz, violão, cavaquinho, banjo, tamborim, pandeiro... tudo nas mãos de brancos. Negão? Às vezes, no surdo. Afinal de contas, pegar no pesado é coisa para negro. A estampa das estrelas do samba de branco segue um padrão. Adoram camisetas sem manga, exibem orgulhosos as tatuagens, carregam no pescoço cordões de religiões de matriz africana (sem saber o que significam as contas), ostentam grossas correntes e pulseiras de ouro, abusam dos indefectíveis chapéus panamá, vestem roupas de grife, penduram óculos escuros na testa. São uma mistura de bicheiro, policial civil, Zé Pilintra (perdão, meu pai!) e estelionatário. Cruzamento estético por demais complexo.

Mas, como tudo sempre pode ser pior, o fenômeno do samba de branco extrapolou os limites geográficos da Lapa, da Barra da Tijuca e da Zona Sul. Tal qual uma nuvem de gafanhotos a destruir lavouras no antigo Egito dos faraós, a praga chegou aos subúrbios. Os efeitos devastadores das rodas de samba de branco já se fazem sentir para aqueles que gostam do samba verdadeiro. Todos cantam as mesmas músicas, com os mesmas batidas, as mesmas bossas. Onde encontrar uma autêntica roda de sambistas? Na Pedra do Sal, no Renascença, na Cacique de Ramos, na Quilombo... Bem, as opções começam a rarear.

Todos os meus fiéis leitores (eu e meu camarada Alex Paiva) sabem da minha impaciência com a falta de talento e com as reiteradas tentativas de domesticar as manifestações culturais populares. O embranquecimento do samba (fenômeno que se repete no candomblé) é a vitória do embuste, do mercantilismo cultural e prepotência das classes dominantes. Também significa a derrota da resistência cultural, da qualidade musical, além de ser um desrespeito aos grandes compositores e intérpretes do samba.

Por isso, amigos, façam o bem à Humanidade. Ajudem a manter o cenário musical mais limpo: não freqüentem rodas de samba de branco, não comprem discos de samba de branco, não ouçam MPB FM... Matem de inanição essas criaturas do mal!!!!!!!! Vamos colocá-las no lugar que lhes é devido: o limbo!!!!!

3 comentários:

  1. Considerando que o texto foi escrito por um branco (com alma de crioulo, é claro), sinto-me vingado.
    Um abraço do amigo, negro e sambista Marco Zero.

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  2. Você é um purista babaca! Deve ser um classe média com mania de pobreza. Vai morar na favela e viver como crioulo pobre. Sou branco, toco samba e quero que você se foda.

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  3. Anônimo, obrigado pela atenção e pela educação refinada no post. É para "gente" assim como você que eu gosto de escrever.

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